Uma história de amor

14/05/2023

Ele a conheceu há muito tempo, quando ainda eram duas crianças. Ela mudou-se para a mesma rua dele, e foi amor à primeira vista. Os olhos dela se cruzaram com os dele de uma forma que ele jamais esqueceria. Ela também se apaixonou. Eram jovens, é verdade, mas estavam apaixonados.

O tempo passou, ele ficou amigo dela, mas nunca teve coragem de dizer o que sentia. Para os apaixonados, o tempo passa mais rápido. Ele viu-a crescer, viu o corpo dela se transformar, suspirou por ela muitas vezes, às vezes até chorou por ela. Ele chorava ainda mais por si próprio, pela sua covardia, pela falta de coragem de dizer que a amava como jamais ninguém a amaria.

Ela começou a sair com outros rapazes. Certamente não amava mais ele como ele a amava. Mas ele precisava falar. Tinha que falar, mas não falou. O colegial acabou.

Ele foi para a faculdade de Direito, ela não. Ela logo foi embora. Um dia, quando ele voltou à casa dos pais nas férias, havia um convite sobre a mesa da TV. Era o convite para o casamento dela. Ela se casaria em Manaus, dali a três dias. Ele estava em Porto Alegre e não podia permitir que ela casasse sem que dissesse o que sentia.

Pegou o primeiro avião com destino a São Paulo. Da capital paulista, voou em direção à capital verde do Brasil e chegou no início da manhã. Sabia que não seria fácil encontrá-la. Tentou contato pelo número de telefone no convite, mas ninguém atendeu. Procurou a empresa responsável pela festa, mas estava fechada. Então, recorreu à maneira mais antiga e simples de se encontrar um endereço: a agenda telefônica. Mas não encontrou nada.

Andou pela cidade no banco traseiro de um táxi. Não tinha destino, mas precisava ter esperanças. Por horas, andou sem rumo, até que parou em frente a uma igreja. Entrou, olhou para as imagens de santos que nunca tinha visto antes. Acho que aquela era a primeira vez que ele entrava numa igreja. Orou fortemente, não com a mesma expressão de uma oração, mas fez o que seu coração mandava:

- Olá, santinhos. Não conheço vocês, não sei se vocês me conhecem, mas preciso da ajuda de vocês. Tenho que encontrá-la, nem que seja somente para dizer o quanto a amo. Não sei mais o que fazer. Minha vida está acabada se não falar mais com ela. Eu preciso olhar nos olhos dela e dizer que amo muito esta mulher. Me ajudem, por favor.

Ele levantou e saiu sem falar nada, sem olhar para trás. Quando voltava para o táxi, teve uma ideia. Claro, era simples. Bastava ligar para o celular dela, vai que ela ainda tinha o mesmo número. O telefone tocou muitas vezes, mas ninguém atendeu.

Suas esperanças começaram a se esgotar. Ele parou na frente de um pequeno hotel, alugou um quarto e deitou-se para descansar. Não conseguiu dormir. Cada vez que seus olhos fechavam, ele via o rosto dela, ouvia a voz dela e sentia o cheiro dela. Seus olhos se encheram de lágrimas e ele chorou. Chegou a uma conclusão que talvez nunca mais esquecesse: iria desistir. Não podia continuar essa busca absurda. Ela casaria no outro dia e ele não tinha o direito de se intrometer.

E mesmo que tivesse esse direito, não iria conseguir encontrá-la. O dia amanheceu. Ele chamou o mesmo taxista e andou em direção ao aeroporto. Na estrada, cruzou por uma cena horrível. Um acidente envolvendo um caminhão e um automóvel parecia ter tido vítimas fatais, mas ele não parou e seguiu com o táxi para o aeroporto. O único avião com destino de volta para casa seria apenas às 11 horas. Não eram nem 9 horas ainda, então ele teria que esperar. Sentou-se e ficou olhando para uma televisão que ficava logo à frente.

Estava passando o Bob Esponja, que era bem engraçado. Não demorou muito e logo entrou no ar um plantão extraordinário. Era a notícia do acidente que ele tinha visto na rua. Logo colocaram as fotos das vítimas: um homem, que segundo a reportagem era o motorista, e ela, a noiva. Aquilo não podia estar acontecendo. Ela estava morta. Se ele tivesse se esforçado mais, se tivesse encontrando-a, nunca a teria perdido. A culpa era dele. Ele sabia que era dele. 

Não poderia mais viver com aquela culpa. Sentiu, naquele momento, uma vontade de chorar. Lembrou de todos os momentos que tiveram juntos. Se ele tivesse falado há tempos atrás que a amava, tinha certeza de que ela não teria viajado. Aquilo era culpa dele. Ele sabia disso, acreditava nisso e pensou em tirar a própria vida. Talvez na eternidade, ele conseguiria falar a ela o quanto a amava.