Tic-tac
O frio que veio do piso subia por suas canelas e lhe passava a sensação de que seus ossos estavam congelando lentamente. O silêncio do local era cortado apenas por um tic-tac do relógio na parede que a cada segundo parecia ficar mais alto.
João Pedro baixou a cabeça e olhou para suas mãos, que ainda tremiam. Não era exatamente de frio, apesar de estarem geladas e ele mesmo sentir isso. Dentro de si, crescia um vazio, que subia de seu estômago em direção a sua garganta.
Com a cabeça sempre baixa, olhava para o sapato desgastado pelo tempo. Teve vontade de chorar. Ganhou aquele sapato a três anos. Ele estava de aniversário e em meio as comemorações, seu filho se aproximou com a caixa de presente e entregou para ele. Ficou tão feliz. O filho estava lhe dando um presente comprado com o primeiro salário.
Seu filho. Que menino brilhante. Vez ou outra ele tinha dúvidas sobre a quem aquele garoto tinha puxado. Estudioso, inteligente, esforçado, responsável. Era um filho perfeito.
João Pedro sempre agradecia a Deus pelo filho que tinha e pela oportunidade de conviver com ele. Sabia que não merecia tal direito. Quando o menino ainda era uma criança de colo, sem nunca ter entendido muito as suas próprias atitudes, ele deixou a mãe de seu filho para viver com outra mulher. Ficou afastado do filho por anos e somente voltou a reencontrar o menino quando esse já era um garoto de dez ou onze anos.
Não foi fácil conquistar o amor da criança, mas aos poucos as barreiras foram se quebrando e os dois ficaram mais próximo. Primeiro tornaram-se amigos e depois assumiram a relação de pai e filho que tinham agora.
Com o tic-tac do relógio batendo ao fundo, ele ouviu o barulho de passos se aproximando. Levantou a cabeça por alguns segundos, somente para perceber que a aproximação não era para si.
Viu uma menina de cabelos cacheados passar caminhando lentamente na sua frente e sumir em alguma das portas naquele amplo corredor. Tornou a olhar em volta e se viu novamente sozinho, sentado, diante de uma parede branca, em um piso gelado acompanhado de um silêncio que era cortado apenas pelo tic-tac do relógio que seguia batendo no seu próprio compasso.
Tirou o celular do bolso. Sabia que estava sem bateria, mesmo assim fez o ato, quase que continuo, de apertar no botão de ligar por diversas vezes, para depois seguir olhando para o aparelho desligado que refletia espelhado a sua própria imagem.
Como ele sofreu para aprender a usar aquele treco, que no início era muito estranho para ele e que agora, pouco tempo depois, era quase que parte de si. Como podemos descobrir coisas que nunca tivemos e que se nunca tivéssemos jamais sentiríamos falta, mas que a partir da sua aquisição se tornam tão importante, ao ponto de não podermos viver sem. A vida é estranha.
Pensando nisso ele lembrou da felicidade do filho ao conseguir comprar o primeiro carro. Não era nenhuma máquina, era no máximo um carrinho bom, mas o menino ficou numa alegria infantil. Ria como um louco. Nunca tinha possuído um veículo antes, mas a partir daquele momento parece que não saberia mais viver sem o carro. Usava para ir a todos os locais.
Voltou a ouvir passos vindo em sua direção. Levantou a cabeça e reconheceu o homem. Ficou de pé quase que em um pulo e olhando para o senhor que limpava os óculos em sua frente:
- Então doutor? - Ele perguntou. - Como ele está?
- Os ferimentos foram graves. - O médico falava com a voz arrastada. - Fizemos tudo o que podia ser feito. Agora é esperar para ver a evolução.
João Pedro apenas acenou a cabeça de maneira positiva. O médico se afastou lentamente e ele voltou a ouvir tic-tac do relógio enquanto concentrava a sua mente em um pedido:
- Por favor Senhor, salve meu filho.