O meio-campo do amor - Parte 1

04/11/2022
Imagem de Giulia Marotta por Pixabay
Imagem de Giulia Marotta por Pixabay

Anderson era o tipo de cara confiante. Sabe aquelas pessoas que não temem nada? Que estão sempre prontos para qualquer coisa, confiando apenas que tudo vai dar certo? Anderson era um desses.

No time de futebol, onde disputava a várzea, jogava com a dez e desfilava no meio-campo. Era técnico e sua confiança o levava a dar dribles que outras pessoas nem sequer tentariam. Era uma estrela da várzea. Pipocavam convites e até bons pagamentos para que ele pudesse desfilar pelos gramados irregulares da região.

Como todo o camisa dez, estava sempre rodeado de amigos e muitas vezes de amigas. Tinha um daqueles bigodes que precisam ser retocados duas vezes por semana no barbeiro. Não era o bigode do Valdir, aquele atacante do Vasco dos anos 90, mas era um bigode de respeito. Vestia-se bem, falava com uma voz média e pausada que chamava a atenção sem precisar gritar.

Apesar de um fazer um enorme sucesso com o sexo posto, vivia dizendo que nunca tinha se apaixonado. Para ele o amor era uma possibilidade remota feita para confortar os laterais e zagueiros. Meias centrais, camisas 10, que chegam na área, não foram feitos para se apaixonar.

Tudo aconteceu numa sexta-feira 13. Era uma das festas do time que ocorriam quase todos os meses, sempre na casa de alguém. Uma desculpa para turma se reunir, tomar cerveja, comer carne e em alguns casos até arrumar uma parceira, que quase nunca durava até a festa seguinte.

Anderson chegou na festa atrasado. Sempre fazia isso. Esperava estar todo mundo no ambiente para entrar, cheio de pompa e destaque, e se tornar a estrela do local. Gostava de chamar a atenção. Naquela noite não foi diferente.

Feito um político de interior foi cumprimentando um por um. Já estava próximo da área da churrasqueira quando encontrou Mariana, uma menina de cabelo liso, rosto com sardas e sorriso difícil, que nunca fez parte do grupo e que por algum motivo apareceu naquela noite de sexta-feira 13. Ele a cumprimentou e ela riu. Ele segurou a mão dela com suavidade e depois de uma fração de segundos a soltou e seguiu o seu caminho.

Viu pelo menos três ou quatro colegas de time chegarem em Mariana sem obter sucesso em suas empreitadas. É verdade que nunca a viu com ninguém e esse pensamento lhe aguçou o interesse.

Ele não a descreveria como bonita e talvez em qualquer outra situação ele nem a notaria, mas ali, com tão poucas opções, ela era interessante ao ponto de refutar as investidas de quase todo o ataque do time.

Ele investiu. Ela não refutou de imediato, mas também não se mostrou muito disposta. Ele seguiu insistindo. Usava toda a confiança e charme que lhe era caraterístico. Ela riu, respondia as suas investidas, encarava tudo com uma naturalidade assustadora, mas não lhe deixava que se aproximasse muito.

A noite correu rápido e a certa altura até mesmo os seus colegas de times passaram a observar a questão com curiosidade, afinal, ali estava um duelo digno de audiência. Ele um pegador abominável, ela uma solteira convicta e absolutamente difícil. Era um duelo interessante.

Era quase manhã quando as pessoas começaram sair. Anderson estava prestes a desistir e já pairava em seu pensamento a ideia de que havia perdido seu tempo com Mariana. Já tinha inclusive ouvido aqui e ali alguma piadinha sobre o seu fracasso.

Estava prestes a ir embora quando ela atravessou a sala e se aproximou dele e sem dizer uma única palavra o beijou de uma maneira decidida e completamente inesperada.

O beijo durou uma porção de segundos e depois ainda sem falar nada, ela virou, balançou levemente o cabelo e foi embora. Não disse nada. Ninguém disse nada. Os últimos remanescentes da festa apenas olhavam boquiabertos.

Anderson ficou parado com os olhos fixos na porta por onde ela saiu, ainda sentindo o sabor dos lábios dela nos seus. Estarrecido, suas mãos estavam tremendo e seu coração batia de maneira acelerada. Anderson não sabia o que tinha acontecido.


Parte 2 - Dia 11 de novembro.