A chegada do bebê e a perda de identidade

15/11/2022
Imagem de İSMAİL DEMİRBAŞ por Pixabay
Imagem de İSMAİL DEMİRBAŞ por Pixabay

A chegada de uma criança muda completamente a vida de todos os envolvidos. Os pais, os avós, os tios e até os amigos, que muitas vezes não estão tão perto assim, passam por um processo de transformação, mas nada é mais visível do que a influencia que a chegada do bebê tem na identidade de uma família.

Dias atrás flagrei meus sogros conversando, enquanto colhiam pêssegos:

- Ali, vô. - Apontava ela. - Pega aquele lá em cima, que parece maduro.

- Já vai, vó.

Leonard não estava junto. Haviam apenas eles com eles mesmos, no entanto, o pronome de tratamento usado era "vô e vó". Eles estão longe de ser idosos, estão na casa dos 50, mesmo assim, sem qualquer pudor ou preocupação com a preservação da sua aparência jovial, eles passaram a se chamar assim.

Eu mesmo, não sou mais Jonas. Minha esposa me chama de "pai". E pensar que um dia fui filho, depois passei a ser "mano" e agora sou pai. Pior que nem é o Leonard que me chama assim. É minha esposa, meus sogros e mais um punhado de gente que convive no meu meio familiar.

Tento, o máximo que posso, me referir a minha esposa ainda como "amor", como era na época em que éramos namorados, mas lhe confesso que, às vezes, distraidamente, estou gritando "mãe".

Meu sogro, coitado, acho que nunca teve nome. Casou jovem, virou "amor", teve filhos cedo virou "pai" e por algum motivo, quando entrei para família ele já era o "velho". Até hoje não sei quem teve a ideia de chama-lo de velho, quando ele ainda gozava dos seus quarenta e poucos anos. Tomara que eu pule essa fase. Agora o velho virou vô.

Às vezes fico observando o Leonard fazendo alguma bagunça, e ele gosta disso, e imaginando até quando serei o "pai"? Será que algum dia recuperarei minha própria identidade? A julgar pelos exemplos que me cercam, acho difícil.

Quando lembro disso, olho para o Leonard com seus passos vacilantes, balbuciando palavras sem sentido e grito com ele:

- Pare de bagunça "bebê"!

É a minha vingança velada. "Você nunca será Leonard, vai sempre o bebê do papai".